domingo, fevereiro 08, 2009

Fado falado

Fado Triste
Fado negro das vielas
Onde a noite quando passa
Leva mais tempo a passar
Ouve-se a voz
Voz inspirada de uma raça
Que mundo em fora nos levou
Pelo azul do mar
Se o fado se canta e chora
Também se pode falar

Mãos doloridas na guitarra
que desgarra dor bizarra
Mãos insofridas, mãos plangentes
Mãos frementes e impacientes
Mãos desoladas e sombrias
Desgraçadas, doentias
Quando à traição, ciume e morte
E um coração a bater forte

Uma história bem singela
Bairro antigo, uma viela
Um marinheiro gingão
E a Emília cigarreira
Que ainda tinha mais virtude
Que a própria Rosa Maria
Em dia de procissão
Da Senhora da Saúde

Os beijos que ele lhe dava
Trazia-os ele de longe
Trazia-os ele do mar
Eram bravios e salgados
E ao regressar à tardinha
O mulherio tagarela
De todo o bairro de Alfama
Cochichava em segredinho
Que os sapatos dele e dela
Dormiam muito juntinhos
Debaixo da mesma cama

Pela janela da Emília
Entrava a lua
E a guitarra
À esquina de uma rua gemia,
Dolente a soluçar.
E lá em casa:

Mãos amorosas na guitarra
Que desgarra dor bizarra
Mãos frementes de desejo
Impacientes como um beijo
Mãos de fado, de pecado
A guitarra a afagar
Como um corpo de mulher
Para o despir e para o beijar

Mas um dia,
Mas um dia santo Deus, ele não veio
Ela espera olhando a lua, meu Deus
Que sofrer aquele
O luar bate nas casas
O luar bate na rua
Mas não marca (mas não marca) a sombra dele

Procurou como doida
E ao voltar da esquina
Viu ele acompanhado
Com outra ao lado, de braço dado
Gingão, feliz, levião
Um ar fadista e bizarro
Um cravo atrás da orelha
E preso à boca vermelha
O que resta de um cigarro

Lume e cinza na viela,
Ela vê, que homem aquele
O lume no peito dela
A cinza no olhar dele
(e então:)

E o ciume chegou como lume
Queimou, o seu peito a sangrar
Foi como vento que veio
Labareda atear, a fogueira aumentar
Foi a visão infernal
A imagem do mal que no bairro surgiu
Foi o amor que jurou
Que jurou e mentiu

Correm vertigens num grito
Direito ou maldito que há-de perder
Puxa a navalha, canalha
Não há quem te valha
Tu tens de morrer
Há alarido na viela
Que mulher aquela
Que paixão a sua
E cai um corpo sangrando
Nas pedras da rua

Mãos carinhosas, generosas
Que não conhecem o rancor
Mãos que o fado compreendem
e entendem sua dor
Mãos que não mentem
Quando sentem
Outras mãos para acarinhar
Mãos que brigam, que castigam
Mas que sabem perdoar

E pouco a pouco o amor regressou
Como lume queimou
Essas bocas febris
Foi um amor que voltou
E a desgraça trocou
Para ser mais feliz
Foi uma luz renascida
Um sonho, uma vida
De novo a surgir
Foi um amor que voltou
Que voltou a sorrir

Há gargalhadas no ar
E o sol a vibrar
Tem gritos de cor
Há alegria na viela
E em cada janela

Renasce uma flor
Veio o perdão e depois
Felizes os dois
Lá vão lado a lado

E digam lá se pode ou não
Falar-se o fado.

Aníbal Nazaré - João Villaret - Nelson de Barros

segunda-feira, junho 19, 2006

Estranha forma de vida

Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.

Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.

Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.

Eu não te acompanho mais:
para, deixa de bater.
Se não sabes aonde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.
Amália Rodrigues

sexta-feira, abril 28, 2006

Damaged People

We're damaged people
Drawn together
By subtleties that we are not aware of

Disturbed souls
Playing out forever
These games that we once thought we would be scared of


When you're in my arms
The world makes sense
There is no pretense
And you're crying

When you're by my side
There is no defense
I forget to sense
I'm dying


We're damaged people
Praying for something
That doesn't come from somewhere deep inside us

Depraved souls
Trusting in the one thing
The one thing that this life has not denied us


When I feel the warmth
Of your very soul
I forget I'm cold
And crying

When your lips touch mine
And I lose control
I forget I'm old
And dying
Depeche Mode

quinta-feira, dezembro 29, 2005

Doze anos....

E aí, passou no teste da farinha?
Ô, rapaz, sentei estava tudo bem... tudo certinho. Só tem saída, entrada, neca. Never!

Ai, que saudades que eu tenho
Dos meus doze anos
Que saudade ingrata
Dar banda por aí
Fazendo grandes planos
E chutando lata
Trocando figurinha
Matando passarinho
Colecionando minhoca
Jogando muito botão
Rodopiando pião
Fazendo troca-troca

Ai, que saudades que eu tenho
Duma travessura
O futebol de rua
Sair pulando muro
Olhando fechadura
E vendo mulher nua
Comendo fruta no pé
Chupando picolé
Pé-de-moleque, paçoca
E, disputando troféu
Guerra de pipa no céu
Concurso de piroca

Chico Buarque de Hollanda

domingo, agosto 21, 2005

Robert Moog

Faleceu o pai do sintetizador... Desapareceu o verbo da música electrónica...

quarta-feira, julho 13, 2005

O que é, o que é?

Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a vida, é bonita e é bonita...

Viver,
e não ter a vergonha de ser feliz.
Cantar e cantar e cantar
A beleza de ser um eterno aprendiz.
Ah, meu Deus, eu sei, eu sei
Que a vida devia ser bem melhor e será
Mas isso não impede que eu repita
É bonita, é bonita e é bonita.

E a vida?
E a vida, o que é; diga lá meu irmão?
Ela é a batida de um coração?
Ela é uma doce ilusão?
Mas, e a vida?
Ela é maravilha ou é sofrimento?
Ela é alegria ou lamento?
O que é, o que é, meu irmão?

Há quem fale que a vida da gente
É um nada no mundo
É uma gota no tempo
Que não dá um segundo
Há quem fale que é um divino
mistério profundo
É o sopro do Criador
numa atitude repleta de amor

Você diz que é luta e prazer
Ele diz que a vida é viver
Ela diz que o melhor é morrer
Pois amada não é, e o verbo é sofrer
Eu só sei que confio na moça
E na moça eu ponho a força da fé
Somos nós que fazemos a vida
Como der, ou puder ou quiser

Sempre desejada,
por mais que esteja errada
Ninguém quer a morte,
só saúde e sorte
E a pergunta roda,
e a cabeça agita
Eu fico com a pureza da resposta das crianças
É a Vida, É bonita e é bonita!

Gonzaguinha

quinta-feira, junho 30, 2005

Onde Está a Honestidade?

(adaptação)
Tu tens palacetes reluzentes
Tens jóias e criados à vontade
Sem teres nenhuma herança ou parente
Só andas de automóvel pela cidade...

O teu dinheiro nasce de repente
E embora não se saiba se é verdade
Tu achas pelas ruas diariamente
Anéis, dinheiro e felicidade...

És vassoura dos salões da sociedade
E varres o que encontrares na frente
Promoves festivais de caridade
Em nome de qualquer defunto ausente...

E o povo já pergunta com maldade:
Onde está a honestidade?
Onde está a honestidade?
(em 1933) Noel Rosas